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CONTRIBUIÇÕES DO FUNCIONALISMO ORGONÔMICO À ANÁLISE INSTITUCIONAL E SISTÊMICA

Xavier Serrano Hortelano

 

Texto revisado da comunicação realizada no Simpósio Científico da ES. TE. R 2002 em Navarra.
 

ÍNDICE

A) A perversão institucional e os coletivos psicoterapêuticos

B) Espaço clínico. O cuidado do psicoterapeuta

C) Sobre o sistema familiar

 

 
 
 

A) A perversão institucional e os coletivos psicoterapêuticos

 

Assim como Reich se perguntava de onde vinha o sofrimento individual, também devemos nos questionar de onde vem o sofrimento do coletivo. Por quê nos machucamos e por quê sofremos em coletivos com motivações e interesses comuns? Por quê nos custa tanto assumir as normas em coletivos de assembléias e por tanto democráticos, sendo nossa própria proposta, entrando nuam dinâmica de falta de respeito pessoal e institucional? Por quê nos sentimos esgotados na instituição, se nós mesmos marcamos o ritmo interno, sabendo que existe uma externa e patológica consequência das pressões do ecossistema social em que estamos imersos… não seria responsabilidade dos nossos coletivos?

 

Parto da tese de que não pode existir instituição autorregulada ou "harmônica", nesta estrutura social precisamente pelo ritmo estressante e da dinâmica patológica que marca, condicionando, em maior ou menor medida aos sistemas que formam parte (escola, família, instituições sociais, grupos laborais…, e que desembocam no desenvolvimento de dinâmicas mais ou menos perversas, o que já descreveríam M. Foucault e Deleuze, cada um desde seu próprio discurso.

 

Sería mais coerente falar de autopoiése expansiva. Ou seja, de coletivos que tentam manter-se com uma criatividade e uma dinâmica expansiva, pulsando e fazendo frente ao monstro do sistema social. Por que se não há esta postura, corremos o risco de mimetizarmos o monstro e passar a ser uma parte dele ou, em todo caso, de ir debilitando o coletivo e entrando em uma dinâmica de autopoiése contrativa gerando o desenvolvimento destes mecanismos perversos e patológicos provocando, num determinado momento a desintegração do coletivo. E para que isso não ocorra, devemos partir deste ponto de realidade, da exaltação dos nossos limites institucionais, evitando a idealização da instituição ao confundir o objeto primitivo (mãe que nutre) com o objetivo social (coletivo).

 

É muito importante assumir a dinâmica institucional como um projeto de futuro que se gera a partir da vivência da atualização do passado e sem projeto de futuro nem de continuidade para além da sua função específica de maturaçao filial. É por isso que também não se pode confundir o casal com o sistema familiar, pois são duas dinâmicas diferentes e por tanto, dois sistemas diferentes (casal e família, dentro de uma estrutura familiar comum).

 

Se não assumimos esta realidade, criamos um frankstein que logo não reconhecemos e que se volta contra seus próprios criadores. Neste sentido, todos temos parte de responsabilidade e podemos prevenir esta tendência. Para isso, é necessário usar uma característica da personalidade madura, a flexibilidade e a tolerância, e aplicá-la a um coletivo: A capacidade de um sistema ou estrutura para introduzir mudanças e, para adaptar-se a eles com criatividade e funcionalidade (retroalimentação positiva com autoanálise a partir da teoria dos sistemas), estando em contato com o outro, unindo a natura e cultura (como F. Navarro gostava dizer), instinto com razão.

 

Em princípio, muitas pessoas podem desejar isso, mas pode existir pontos cegos que impedem a um coletivo conhecer os elementos que vão viciando a dinâmica relacional ou debilitando sua prática social. Apesar de sermos, em parte, conscientes, nos escapa, perdemos de vista, possivelmente por sermos influenciados pela pressão do monstro social.

 

Aplicando esta hipótese às nossas instituições psicoterapêuticas, incluindo as reichianas, deveríamos ter bastante presente a mistura excesiva que é gerada entre os aspectos vinculados à interrelação pessoal e ao profissional e que se manifestam de forma patológica nos conflitos do coletivo. Fundalmentalmente porque as pessoas que estiveram levando uma relação clínica durante o processo terapêutico do candidato ou futuro membro deste coletivo, se encontram posteriormente em espaços docentes ou de índole organizativa na mesma instituição, e muitos deles estabelecem depois da terapia laços de amizade e afetivos. Esta mescla estabelece dinâmicas simétricas e assimétricas ao mesmo tempo o que dificulta muito adotar a posição adequada correspondente ao espaço relacional (afetivo, profissional, organizacional…)

 

Também sabemos que uma das coisas mais difíceis de abordar e elaborar durante o processo psicoterapêutico é a transferência, em particular a chamada transferência negativa e sexual, ou melhor, as pulsações sádicas e sexuais que são deslocadas ao terapeuta e que correspondem à figuras afetivas históricas. É difícil manejar o ódio, o sadismo, a inveja, o desejo, a insatisfação, em particular, com pessoas que vão se vinculando de uma maneira ou de outra em nosso coletivo profissional. Especialmente na fase final da vegetoterapia é quando mais se ativa esta dinâmica inconsciente e ao mesmo tempo coincide no momento do planejamento de continuar a formação na instituição.

 

Talvez seja esta particularidade um dos dispositivos que aciona inconscientemente muitas dinâmicas vicerais e irracionais narcisistas, sádicas…) nas dinâmicas institucionais. Talvez, em certas ocasiões se produz um "actino out" (viver em outro espaço o que corresponderia viver no espaço terapêutico) de forma que a instituição passa a ser objeto de todas estas pulsões canalizadas de forma social e mascaradas ao se justificarem com aparentes razões de peso (negação, projeção, sadismo, masoquismo…) ao ser, inconscientemente este sistema continuação e representação ideal do terapeuta e portanto, de objetos afetivos anteriores repetindo a mesma frustração que em outro tempo, ao não receber o que se esparava com tudo o que isso significa psicodinamicamente.

 

Isso se reflete mais em determinadas situações históricas, em particular nos inícios, onde a coerência institucional está cheia de brechas e de limites, o qual não significa que isso deva manter-se nem generalizar-se ou servir de justificação posterior. Conforme o coletivo, as possibilidades de expansão e de coerência funcional são maiores e deve-se evitar os vícios históricos que em seu momento, de uma maneira ou de outra, foram limites por razões históricas e funcionais. Por isso os conflitos no coletivo devem se analisados como coletivo, quando este funciona de uma maneira aberta e circular, com normas que permitem a expressão e a crítica autêntica.

 

Assim a maior prevenção para evitar esta dinâmica claramente patológica seria assumir nossa profissionalidade tentando separar o mais possível, o processo psicoterapêutico pessoal dos interesses e ações docentes e institucionais. Avaliar bem as funções que exercemos (terapeuta, professor, supervisor…) e tentar não exercê-las com as mesmas pessoas, ter presente em nosso trabalho clínico esta realidade para evitar este ponto cego que, possivelmente existe porque anteriormente atuaram desta maneira com a gente. Combinar a vegetoterapia individual com as sessões grupais com uma sistemática que permita cumprir os objetivos de acordo com este planejamento. Neste sentido, dentro de nosso coletivo, trabalhamos com a metodología clínica grupal que sistematizei pessoalmente com a colaboração de outros colegas, permitindo o exercício de ambas terapêuti! cas com benefícios mútuos. E, onde sempre o grupo é visto como uma ferramenta convergente e circunstancial do processo "mãe" que é o individual, facilitando sistemáticamente a elaboração dessas dinâmicas perversas sociais dentro do processo grupal, assim como a manifestação da couraça no social, o paranóide, levando ao grupo matriz à uma dinâmica de autonomia, tomando consciência da função que cumpre a responsabilidade e o compromisso social com a possibilidade de posse dos mesmos assim como de uma "identidade de coletivo", necessária para a inserção institucional com uma clara preparação vivencial que permite detectar essas dinâmicas patológicas.

 

Estamos falando portanto, de uma ética (não moral) dos psicoterapeutas membros de uma intituição Didática, o que implica uma dupla responsabilidade tanto com clínicos como docentes e ainda tripla, quando acrescentamos os trabalhos de organização de um coletivo que, coerente com seu modelo teórico, terá uma posição transgressora e crítica com o sistema social dominante.

 

Por isso, é muito difícil manter a perda de energia que é produzida na resolução de conflitos a maioria das vezes irracionais e fora de lugar, mediados por essa dinâmica já descrita. Quanto menos encarando deslocamentos e divisões de subsistemas que, como tumores, vão desgastando a instituição. Evidentemente esta análise tem como referência coletivos de assembléias, como o que dirijo, onde objetivamente, existem procedimentos para serem questionados, planejar críticas e mudanças de maneira criativa e funcional. A crítica e as mudanças são necessárias, mas como já disse antes, dentro de uma identidade de coletivo, ou seja, sentindo que esta crítica também é para quem a realiza, porque também é parte ativa, e por tanto, responsável e beneficiário de seu funcionamento.

 

Dentro da linha teórica dos autores franceses antes resenhados e descritos de forma pontual por algum sistêmico, inclusive pela física quântica e muito bem descrito por W. Reich dentro de sua teoria do funcionamento orgônico: A diferença de comportamento de um mesmo sujeito segundo as circunstâncias sociais. Assim uma pessoa irá atuar de forma bem diferente se está com uma pessoa só e quando estiver com mais de uma. Estando com seu companheiro/a, com sua família ou em sua equipe de trabalho.

 

Assim quando nos relacionamos com um colega isolado, podemos ser respeituosos, próximos, cordiais, mas com esta mesma pessoa dentro de um espaço grupal, institucional, podemos enlouquecer e "perder o ponto". Inclusive pode acontecer dentro de pequenos grupos afins e dentro do grupo grande. E enlouquecemos, porque é precisamente aí de onde saem os demônios reprimidos da nossa pulsionalidade social.

 

Por exemplo, durante um tempo, e sem existir fatores evidentes que justificariam objetivamente, nossa equipe da zona norte-vasca da Es.Te.R, começou a desenvolver atitudes digitais e analógicas que refletiam uma posição que se associava ao resto do coletivo com o "estado español centralista". Isso determinou alguns conflitos internos que surgiam por outros motivos e que estiveram gerando confusão e tensão até que fomos conscientes de que esta percepção estava condicionada por um deslocamento de um conflito do ecossistema social no qual estavam submergidos para a própria instituição ("espanhola") da qual formavam parte.

 

Mas, para ir descobrindo estas influências inconscientes e portanto tão sutis, junto à possibilidade de colaborar com analistas externos ao nosso coletivo, devemos antes de tudo assumir nossos limites institucionais, assumir as condicionantes tão fortes que temos do próprio caráter de seus membros e do próprio sistema social que nos rodeia. Resumindo, e com outras palavras, assumir o risco de yatrogenização da instituição.

 

Porque neste momento podemos começar a sentirmos cúmplices e aliados, ainda que seja pela confusão e limite, evitando a fantasia e a idealização. E a partir daí, talvez, ir amadurecendo e desenvolvendo uma dinâmica expansiva e criativa.

 

Concretamente, dentro destes coletivos psicoterapêuticos, e em particular no nosso, para que isso possa ir produzindo-se acredito que teríamos que analisar nosso processo de formação, que predomina com a entrada na instituição do candidato e com a continuação nesta mesma, com funções específicas. Em princípio sugiro um esquema cronológico que em caso de ser cumprido, permitiría este processo expansivo e criativo.

 

a) Tomada de consciência emocional da dialética Norma-Criatividade: função da terapia individual e de grupo: recuperar nossa identidade individual e a identidade de coletivo.

 

b) Posse psicoemocional da realidade institucional, introjetando a instituição como um coletivo social, e por tanto diferente ao sistema familiar: Função da "terapia de controle ou análise didática".

 

c) Amadurecimento profissional e conhecimento do paradigma institucional: Identidade profissional: Função da Formação de especialização.

 

d) Aprofundamento no paradigma institucional com a prática profissional. Contraste objetivo e empírico de sua formação com a realidade. Função do docente de base, começando o desenvolvimento expansivo e criativo com contribuições e investigações próprias comunicadas e contrastadas em seu coletivo: Identidade institucional.

 

e) Experiência profissional individual e em equipe. Projeção social, participação ativa no paradigma, segurança como profissional. Já não necessita da instituição para sua existência. Possibilidade de abandoná-la ou elegê-la, de desejá-la (lógica do funcionamento da "ética do amor"): processo de desidentificação institucional.

 

f) Eleição do coletivo e de seu paradigma como processo criativo e evolutivo: Não estático. Nem dogmático nem rígido, mas rigoroso, coerente e ético. Participa ativamente nas mudanças do coletivo e em sua evolução criativa. Função de docente especializado (trainer e didata).

 

 

 

 

 

Este bem que seria o esquema referencial de funcionamento para o futuro, para que isso chegue a estabelecer-se é necesario pôr em ação certas pautas e ações comuns para brecar nosso momento de contração. Estas são algunas das medidas que proponho:

 

- Assumir a doença e o risco de perversão das nossas instituições.

 

- Permanecer na crise, sempre que isso estrague nossos biossistemas individuais (e se é assim, asumir que não podemos estar num coletivo como este por nossos limites pessoais).

 

- Que nosso sistema fisiológico predominante nos espaços instituciones seja o cortical, a razão emocional, a alianza de trabalho, para conter a irracionalidade pulsional que prejudica a nós mesmos, porque nós somos coletivos.

 

- Facilitar certos espaços de comunicação irracional e de descarga, mas o separando dos espaços decisivos, docentes e profissionais (talvez, encontros lúdicos, dramáticos, catárticos…).

 

- Tentar que todos tenham possibilidade de expressão assumindo nossa locura exposta num formato caracterial e que todos escutemos ao coletivo para descubrir essa loucura.

 

- Trabalhar com funções e objetivos concretos.

 

- Separar radicalmente setting terapêutico e espaços institucionais (respeitar ritmos ontogenéticos, evitando, em particular desmames bruscos ou entradas em escolas infantis violentas, metafóricamente falando).

 

- Desenvolver a metodología do grupo com base na dinâmica de PREVENÇÃO institucional, não só como melhora de objetivos da terapia individual. (Talvez os pacientes de grupo teríam que estar em grupos onde não estivessem seus terapeutas, e claro, o terapeuta observador não ter pacientes próprios como já havia exposto em 2000, dentro de uma lógica clínica ontogência).

 

- Ter claro que os espaços CLÍNICO-docentes (seminário de casos e supervisões) não têm nada a ver com os espaços institucionais e do coletivo. Se bem, são os lugares onde se podem desenvolver as bases do nosso paradigma científico em interrelação permanente com as reuniões clínicas e de áreas que temos como membros da instituição. Isso forma parte da posição flexível e complicada que tem que manter o didata e o supervisor (ver meu comunicado sobre a supervisão) para estar em um plano predominantemente assimétrico nestes espaços docentes clínicos e simétricos nos espaços institucionais, utilizando a terminología de Matte Blanco.

 

- Utilizar corticalmente o respeito entre os colegas evitando a difamação, a crítica destrutiva, respeitando nossas normas que significa respeitar a nós mesmos e a nossos colegas, e não misturar funções docentes ou terapêuticas em espaços institucionais ou vice-versa, que refletiríam atitudes claramente antideontológicas. (psicotizar e analisar colegas em reuniões; adotrinar sobre a instituição aos nossos pacientes no divã…)

 

- Preparar aos que entram na instituiçao assumindo ritmos pessoais (de fato, isto é o que se pretende com a forma de planejar nossa didática especializada ao entrar o candidato a formar parte como membro associado podendo participar em reuniões de zona, mas não em assembléias) e com medidas que facilitem esta integração (responsável ou tutor destes membros associados, após à analise pessoal e com duração limitada e controlada de umas 40 sessões...), com a mensagem clara de que a intituição "e um coletivo com uma história, um paradigma, com uma identidade marcada e também que como tal, tem sua predisposição à doença, sendo um espaço de risco de loucura, ao mesmo tempo que se pesquisa e se prevê a forma particular da loucura social deste novo membro.

 

- Ao mesmo tempo, assumir nossa potencialidade individual e coletiva, nosso nível de amadurecimentoao darmos conta do nosso limite e de nossa doença coletiva e procurar medidas de autorregulação individual que nos permita potenciar a crise como sabemos profissionalmente falando, pra permanecer nela desde uma ética e uma posição coerente, realista, sincera e honesta, para ajudar a crescer nosso coletivo.

 

- Sabendo que tudo isso não é possível se em nossa vida cotidiana se não tentamos manter dinâmicas de autorregulação amorosa-sexual, emocional e energética, evitando a "dorificação" (término empregado por W. Reich que fazia referência ao estado de contaminação ou energia negativa, "Deadly Orgon Energy" como consequência do trabalho sem medidas de regulação) e o embrutecimento tomando medidas preventivas laborais.

 

...Abordemos este tema:

 

 

 

 

 

 

 

 

B) Espaço clínico. O cuidado do psicoterapeuta

 

Sabemos que a relação que é configurada nos espaços de saúde tanto entre médico e paciente como entre psicoterapeuta e paciente- ou cliente, segundo o modelo ou a moda- sempre estará condicionado por um aspecto irracional e inconscient, e que Freud denominou "transferência".

 

Como vimos em outros artigos, segundo a estrutura da pessoa que pede ajuda e a do profissional, incluindo as condições logísticas (público ou privado...) e o enquadre (sessões pontuais e marcadas ou sem determinar...), cada caso será diferente, mas ao colocar estas duas pessoas num plano "hierárquico", pela própria diferença de funções e o tipo de demanda, sempre irá despertar a dinâmica transferencial ou vincular, onde o anseio infantil de cuidado e necessidade com todas as variáveis e consequências (amor x ódio), se deslocam ao profissional e também ao espaço clínico ou terapêutico.

 

Muitos profissionais, em particular os médicos, e também alguns psicólogos e psicoterapeutas ignoram ou rejeitam esta tese e com isso, impedem o uso desta lei dentro do marco clínico, que facilita alcançar os objetivos marcados. Inclusive esta ignorância ou negação do empírico e evidente, pode provocar o desenvolvimento de dinâmicas de indução e de manipulação, faltando com respeito ao paciente ou cliente. Porque precisamente pela condicional inconsciente, a pessoa está numa situação vulnerável em relação ao ego no espaço clínico-terapêutico, e pela mesma razão, o profissional da saúde pode se aproveitar desta realidade clínica para manipular, seduzir, ou induzir de uma forma claramente antideontológica ao buscar seu próprio interesse.

 

Em nosso âmbito, este é um tema de se preocupar, e com motivo, porque é difícil de mudar ou de controlar, mas que é fundamentalmente, responsabilidade do próprio profissional. Foi S. Firenczi, um psicanalista de prestígio da primeira geração, que começou a refletir sobre esta preocupação em seu "diário clínico" há quase um século, abarcando o risco de abuso de poder do psicoterapeuta indizindo ações "imorais", interessadas, de tipo sexual, econômico ou de outras índoles, inclusive o fato de prolongar a análise muito mais que o devido por motivos financeiros ou narcisistas do terapeuta. Este tema também é ampliamente desenvolvido por J. M. Masson em seu livro "Juizo à psicoterapia", de leitura recomendável para todo profissional da saúde, especialmente da saúde mental, com os livros "A fabrica! çao da loucura" de T. Szasz e "O médico, a doença e o paciente" de M. Balint.

 

Um dos objetivos das escolas de psicoterapia que começaram a surgir há algumas décadas atrás na Europa, -com planos de formação caracterizados da mesma maneira por serem muito rigorosos e complexos tanto em horas, como em seu processo, enquanto se inclui a própria análise pessoal do candidato-, seria precisamente o de cuidar da própria segurança e do respeito ao paciente, assumindo essa vulnerabilidade dentro de um amplo conhecimento técnico e de uma consciência ética, com uma humanização pessoal, adquirida fundamentalmente pela própria experiência como paciente. Este é também um dos principais objetivos institucionais da Es. Te. R, a partir de sua gênese. Ao longo de seus quase 20 anos de história conseguiu valer sua autoridade docente e clínica. Em mais de uma ocasião, em defesa dos direitos do paciente, ainda apesar de que estas ações sempre podem voltar contra a própria instituição (podendo ser chamada por alguns como inquisitória, rígida, ortodoxa...). Mas isso nos demonstra que, apesar de colocar todos os meios conhecidos para prevenir este tipo de situação no espaço clínico, há um certo risco de que sejam produzidas, porque a relação terapêutica é muito potente e mobiliza muitos processos inconscientes tanto no paciente como no terapeuta. A partir disso, a lógica e a necessidade da supervisão clínica do psicoterapeuta tanto de individual como em grupo e das reuniões clínicas entre colegas. Também a lógica e a necessidade da chamada "terapia ad-vitam" do terapeuta, que algumas escolas como a nossa introduz na dinâmica habitual de seus membros. E o uso de ferramentas convergentes na terapia individual como o trabalho em grupo, que permite ampliar o espaço clínico além de dois, ao haver co-terapeutas e observador com um número determinado de pacientes.

 

Todas estas medidas permitem que no espaço clínico seja possível desenvolver, com muitas garantias, os objetivos marcados, e que a análise, a psicoterapia, -neste caso, a vegetoterapia caracteroanalítica ou a psicoterapia breve caracteroanalítica-, permita que o paciente recupere sua potencialidade e suas capacidades vitais, sua alegria de viver e seu "contato", e que possa gestionar melhor sua vida neste sistema social.

 

Assim, vemos que para isso, é necessário que se desenvolva a chamada relação terapêutica onde cada membro desde sistema clínico tenha sua própria função. E para cumprir sua função de forma adequada, o profissional da saúde, no nosso caso, o orgonoterapeuta- com seus conhecimentos técnicos e sua ética profissional-, deve se encontrar numa situação afetiva, sexual, física, psíquica e existencial minimamente estável (neste mínimo é recomendável que participe su terapeuta "ad-vitam", ou seja, um outro diferente a um mesmo que o observe com mais objetividade) para manter sua capacidade de contato, de empatia (este "sexto sentido", o sentido orgonótico ao que se referia W. Reich), ou melhor, de autorregulação, tão necessária para poder realizar nosso trabalho garantindo o objetivo do processo terapêutico, assim como nossa própria saúde como trabalhadores. Tocarei neste tema, aproveitando a ocasião, mesmo que de maneira rápida, porque algumas destas idéias já estão num artigo sobre "D.O.R. (deadly orgone energy, ou energia vital contaminada usnado o término de W. Reich) e a doença do terapeuta", e que F. Navarro abarca em seu livro "A metodologia da Vegetoterapia".

 

Em nosso trabalho, a pressão social e econômica é muito forte, assim, corremos o risco de entrar numa dinâmica de distrés para satisfazer estas pressões, sem levar em consideração o risco que há em nosso trabalho de perder nossa capacidade de seguir trabalhando e de viver, por poder perder nossa capacidade de contato, nosso sexto sentido ou "sentido orgonótico", que sem ele, nosso trabalho e nossa vida se embrutece e enlouquece, criando-se uma grande separação entre nosso espaço privado e nosso espaço profissional. Inclusive podemos adoecer e chegar a morrer como foi o caso de um colega.

 

Deve-se ter claro que o "demoníaco", refletido metaforicamente no sofrimento emocional e seu sistema defensivo, tem uma força centrípeta que nos atrai, aspira nossa alma e nos submerge nas profundidades do mal e da loucura. Sendo um risco que aumenta em certas situações e, que em particular em certos trabalhos. O criminólogo, os policiais, o médico de urgências, o especialista em doentes terminais, o cardiologista, o antigo psiquiátra, e em especial, o atual psicoterapeuta que encontra-se dia a dia e em profundidade com o diabólico, o perverso, a doença emocional, o que em literatura é conhecido como "o mal".

 

Dia a dia, hora a hora, dentro de umas paredes vemos a cara do diabo mascarada de bondade, educação, preocupação, sofrimento, pelo caráter e a máscara que o paciente que o paciente mantém durante um tempo no espaço clínico. E quando nos olhamos ao espelho, nos encontramos com nosso diabo, com nossa doença, com a sombra que nos lembra do momento final, dos últimos instantes. Estamos sempre em contato com a morte para ajudar a recuperar a vida, e sem nos darmos conta podemos nos deixar invadir por ela, perdendo o contato, nos confundindo com o mal, somente separados pela distância terapêutica. E ao mesmo tempo compreendendo mais ao "outro" até o ponto de que este "outro" possa ser "eu mesmo", se não vejo bem...

 

Recuperar nossa fonte de vida, nossa alegria, nossa individualidade, apenas isso pode nos salvar. Se posso me sentir feliz, se sinto internamente a vida, o prazer, a razão, a força, se meu corpo está suficientemente saudável, se me sinto amoroso e amante dos meus amores, não posso me perder nas névoas. Mas para trabalhar, devo mergulhar nelas. Este é o nosso paradoxo.

 

Duro ofício, pois parece um pouco absurdo pretender vencer o mal em vez de "salvar nossa alma". Por isso, se queremos trabalhar e "salvar nossa alma" e ajudar nossos pacientes a recuperá-la (seguindo com a metáfora) devemos tentar nos manter em uma dinâmica de autorregulação. Recuperada em maior ou menor medida, com a nossa terapia pessoal, a qual, entre outras coisas, nos facilita a chave para conhecer o tipo de trabalho que temos que realizar e quanto trabalho podemos realizar (vegetoterapia profunda ou psicoterapia breve, trabalho com grupos ou em terapia individual, em assistência de prevenção ou em clínica, com psicóticos ou com neuróticos...).

 

Convertendo-se em razão principal, ou ao menos uma das principais razões que devem governar o planejamento do setting ou espaço terapêutico e portanto, do contrato e da relaçao terapêutica.

 

Nosso objetivo é o desenvolvimento da pessoa, a integração de todas as funções do ser humano, e isso implica ter presente as necessiadades e particularidades dos nossos instintos, da nossa razão, do nosso campo pulsátil, da nossa essência cósmica. Por isso, seguindo a Bergson quando escrevia: "a pessoa amadurece e cresce quando integra sua capacidade intuitiva com sua inteligência científica", nosso objetivo deveria ser ajudar a pessoa amadurecer e integrar suas funções, para isso, como orgonoterapeutas, nos aproximamos ao conhecimento das leis da energia vital e da interrelação entre sistemas, dentro do projeto paradigmático da "ecologia global". Ao mesmo tempo que assumimos a existência do orgônio (nome dado por W. Reich à energia vital) que Bergson já definia como "elen vital" e onde a entropia passa a ser uma noção inexorável, aproximando-nos assim ao conceito de "estrutura dissipativa" de Prigogine ou de "neguentropia" de Schrodinger.

 

Por isso, ao falar em autorregulação, é importante colocar o ser humano em contato com sua essência animal, cósmica e com sua particularidade racional (ser-consciente), ou seja, sentir e poder atuar em "contato" com sua essência, com "o outro" e "ao outro". E tudo isso, seguindo a Bergson, já está incluído na palavra Pessoa ou Ser Humano. Assim, nao é necessário usar termos como "espiritualidade", "transcendência", "transpessoal", "supraconsciência", os quais sempre são parciais.

 

Desta maneira coincido com este autor e com o próprio Reich, em que o termo adequado é o de "Ser Humano" (pessoa), recuperando primeiro nossa própria "animalidade".

 

Pessoa em constante explosão, em constante pulsação, em constante interrelação com o montruoso sistema social. Nós, os psicoterapeutas, para ajudar a cada um de nossos pacientes para que sejam Pessoas, primeiro, temos que tentar com nós mesmos, sendo isso, uma luta que mantemos dia a dia e para não esgotarmos, devemos beber da fonte da Natureza, do abraço genital, das relações afetivas, da comunicaçao científica, do contato com a ternura e espontaneidade das crianças, dos encontros lúdicos, do jogo e da dança do Vivo.

 

Por último, queria lembrar que os orgonoterapeutas (psicoterapeutas pós-reichianos) por analisarmos os sistemas usando nosso "olhar ou perspectiva clínica", não podemos confundir o conceito de "visão", ou melhor, o de perspectiva clínica (aplicação nos espaços sociais e pessoais da nossa experiência na etiologia da patologia para compreender melhor os processos e previní-los) com a forma de atuar dentro do espaço clínico (posição simétrica e assimétrica; função terapêutica...). Porque fora do espaço clínico não somos psicoterapeutas, somos agentes sociais, sujeitos com um conhecimento e uma ética, e portanto, não podemos atuar como "clínicos" e menos como "gurus" ou como algo parecido. Não somos apenas trabalhadores, tentamos ser Pessoas que realizam uma função laboral que nos exige, mais que em outros ofícios, ser Pessoa.

 

 

 

 

C) Sobre o sistema familiar

 

Apenas para destacar alguns aspectos deste tema tão complexo e tão importante no nosso paradigma, escreverei sobre este tema, já desenvolvido em alguns livros como em "Contato, vínculo, separação" e em "Ecologia infantil e maturação humana", e em alguns dos ensaios do último livro"Al alba del siglo XXI".

 

O sistema familiar desenvolve sua atividade no presente, no aqui-agora, mas atualizando o passado para poder entender e desenvlover seu funcionamento.

 

Seu objetivo é o da maturação dos filhos(as) dentro de uma dinâmica de autorregulação. Para isso, o principal será conhecer os limites caracteriais dos pais e a caracterialidade predominante do sistema familiar. Já sabendo que este desenvolvimento autorregulado é um objetivo, mais que uma realidade cotidiana, nos conformamos com um processo de autopoiése expansiva (de adaptação defensiva criativa e consciente, que Reich definiria como a couraça do caráter genital).

 

Para aproximarmos a isso, devemos analisar, portanto, cada sistema familiar como único e diferente tendo como referência a lógica estrutural ontogênica (processo de maturação psicoafetivo).

 

Levando em consideraçãao as necessidade de todos os membros do sistema, mas assumindo a hierarquia natural destas necessidades em função das prioridades dos seus membros (priorizando a dos membros infantis) e sempre considerando sua realidade social e laboral.

 

Aplicando nesta análise minha "teoria da compensação" (um trauma ou distrés produzido num momento do desenvolvimento da maturação pode diluir ou apaziguar se posteriormente cobrem-se funcionalmente as necessidades infantis) para poder ter sempre medidas paliativas ante situações traumáticas ou disfunções anteriores. (O que para a teoria de sistemas seria enunciado como a "equifinalidade": o resultado final de algo depende do início e dos parâmetros do sistema, em particular do fator relacional).

 

Sendo assim, esse fator relacional primordial e, portanto, o foco da análise desta ótica estrutural, tendo presente que o problema infantil ou o conflito individual sempre terá que ser analisado desde a lógica do sistema global. Por isso falamos de uma prevenção do sistema familiar, e não só da criança isoladamente. Neste sentido lembramos que todos/as os/as componentes família (não só a mãe e o pai) condicionam em maior ou menor medida, -e por isso levá-los em conta nas nossas análises e evaluações.

 

Prestar muita atenção à culpabilidade encuberta dentro de uma dinâmica de comunicação analógica dos pais aos filhos/as e dar muita importância à diferença de funcionamento e independência dos espaços familiares e escolares ou grupais infantis. E claro, a diferença entre os espaços escolares e os terapêuticos em relação a nossos pacientes e nossos filhos/as.

 

Por último, vamos tentar ter bem presente que a família é uma estrutura com uma funcionalidade Temporal, que se modifica em função do tempo determinado pelo crescimento dos filhos. Isso implica adotar uma posição existencial que nos permita viver os processos de crescimento de nossos filhos, tendo em vista esta temporalidade para poder saborear cada minuto nesta dança da vida sendo conscientes ao mesmo tempo de que isso flui rápido e que o que pode permanecer são outras coisas como a relação de casal, de amigos, profissionais, ou seja, aquilo que compõe nossa vida social. Isso nos irá permitir permanecer com nossos filhos vivendo nossa vida com eles, a deles com a nossa e também um períodeo de nossas vidas juntos, mas sem impedir processos de autonomia ao tentar compensar nossas carências com nossos filhos/as.

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA (Em espanhol para não alterar os títulos)

 

"Atrama de la vida". F. Capra. Edit Anagrama, 1999

"El árbol del conocimiento" H. Maturana y F. Varela. Edt Debate 1996

"El alba del siglo XXI" Ensayos ecológicos postreichianos. X. Serrano. Publ. Orgón, 2000

"Ecología infantil y maduración humana" M. S. Pinagua y X. Serrano. Publ. Orgón, 1996

"La Consciencia cuántica" D. Zohar. Ed Plaza y Janés, 1990

"El Funcionalismo Orgonómico" W. Reich, 1950-55, traducido por la Es. Te. R.

 

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