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APROXIMANDO-NOS AO "DIVÃ REICHIANO"

Xavier Serrano Hortelano

Coleção Monografias número 8. Valência, 2003

 

Índice

1. Uma introdução vivencial

2. A prática clínica:

A) O princípio – a gênese

B) O diagnóstico

C) O atendimento em crises e a psicoterapia breve caracteroanalítica (P. B. C.)

D) O enquadre - "setting"

E) A psicoterapia profunda: Vegetoterapia caracteroanalítica (orgonoterapia)

F) A terapia de grupo

G) A prevenção e o divã reichianao.

 
 
1) UMA INTRODUÇÃO VIVENCIAL
 
Durante minha juventude, ao mesmo tempo que estudava psicología e levava uma vida normal, participava dos movimentos sociais e culturais da esquerda radical libertária.
 
W. Reich era um dos nossos referentes teóricos e assim, pude conhecer seus textos sexopolíticos. A radicalização dessas atividades em um sistema social ditador e repressivo me levou à cadeia, onde passei alguns meses. Assim, aproveitei para aprofundar meu conhecimento em sua obra, que me fascinou e me ajudou a superar este duro período.
 
Com a morte de Franco em 1975, a democracia foi começando a intalar-se e uma das primeiras medidas de mudanças foi a anistia política que incorporou-se em minha vida civil de estudante em que sentia minha vocação para clínico social, adquirindo como referência o modelo biopsicossocial de W. Reich. Enquanto terminava a universidade, fui concluindo minhas formações em psicanálise, psicodrama, bioenergética e sexología em Barcelona e Paris, e em um destes cursos conheci a Federico Navarro (1924 – 2002). Neuropsiquiatra italiano, líder do movimento vanguardista da antipsiquiatría junto com G. Jervis e outros, psicanalista de A. P. I. durante anos (analisa! do por Lewi Bianchini) e posterior analista junguiano (seu analista foi Aldo Carottenuto), realizou a vegetoterapia caracteroanalítica (orgonoterapia) em uma idade já madura com Ola Raknes, psicanalista Noruego, discípulo e fiel colaborador de W. Reich.

 

Nestes tempos, docentes com Navarro marcaram definitivamente uma identidade profissional que era notada, porém, ainda não elaborada. A coerência de seu discurso, atualizando o paradigma reichiano e atribuindo a esta prática clínica excessivamente intuitiva e pouco estruturada de um esqueleto teórico e empírico era o que permitia uma linha clara de trabalho, de pesquisa e de aprufundamento – claramente diferenciada da "análise bioenergética" -, impulsou minha vontade de me especializar neste modelo pós-reichiano.
 
Seguindo a sugestão de Navarro, fui a Nápoles para minha análise e minha formação em Vegetoterapia Caracteroanalítica com a Scuola Europea Di Orgonoterapia (SEOR) Que presidia o próprio Navarro.
 
Foi com a experiência vivida em meu processo terapêutico, - depois de uma crise de identidade pessoal e profissional-, através de uma viagem infernal no divã neste quarto no bairro napolitano de Posolipo, o que reforçou minha motivação clínica. Porque se bem havia me aproximado ao inferno social anos atrás através das torturas policiais recebidas e o tempo na cadeia neste período, senti meu inferno interior e pude compreender porque nos isolamos da nossa essência, porque perdemos o contato com nosso iterior. E o preço que pagamos para não sentir o fogo infernal que levamos dentro. Comecei a ver os conceitos que havia lido na obra de Reich como mais paupáveis, claros e vivos: A couraça, nossa atuação caracterial, nosso medo de viver, ao orgasmo, a morte, nossa tendência à submissão e a resignação. Isso tudo descobria com meu coração emocionado, dia pós dia e em companhia de um experto guia, R. Sassone, da equipe de F. Navarro. Durante um tempo, que me pareceu uma eternidade, quando saia deste espaço, me invadia a solidão, uma profunda tristeza, um estado depresivo que me incitava a abandonar este mundo deixando-me engolir pelas águas quentes desta baía napolitana cheia de barcos de vela e de casais fazendo "petting". Nada me estimulava e minha profissão se cambaleou como um barco em uma tempestade. Senti que não podia ser terapeuta, me deparei com meu narcisismo e sua armadilha, me senti sem norte. Mas pouco a pouco comecei a saber porque sentia tudo isso. As lembranças se golpeavam na minha mente, minha história pessoal, minhas anedotas infantis tomavam forma como peças de um quebra-cabecas. E desde a depressão entrei em contato com a raiva, o sadismo destrutivo. Sentia que não podia controlar tanto desespero. Todo este movimento se refletia em todo meu ser, até o ponto em que me encontrei perdendo a cor da minha pele em algunas partes. Meu corpo estava esbranquecendo. Entrei num processo agudo de vitiligo! Lembrei que minha mãe e sua família sofriam desta patologia e F. Navarro me explicou que a terapia intensiva pudesse haver reativado o processo genético como um miasma, mas que se modificaria. Eu pensei que dizia aquilo para me consolar. Porque sabia que era uma patologia crônica e sem solução. Mas efetivamente com o tempo, pouco a pouco fui recuperando minha cor de pele, a melatonina recuperou sua funcionalidade e em alguns anos só ficaram pequenas marcas daquele episódio. E também foram passando estes momentos pulsionais tão fortes.
 
Sistematicamente, utilizando técnicas neuromusculares seguindo a lógica cefalo-caudal dos seguimentos descritos por W. Reich, fui alcançando uma serenidade, uma força e uma segurança que invadiram meu ser. Minha emocionalidade e minha razão estavam muito unidas, até o ponto que era dificil para mim atuar de forma diferente a de como sentia. A capacidade de prazer, de sensualidade, de ternura, de expressão dos meus afetos começaram-se a denotar. Sentia que meu caráter estava debilitado ao mesmo tempo que era consciente de que este estado de bem estar tinha que conquistar dia a dia, gestionando minha vida com um ritmo e uma modulação própria. E também fui mais consciente dos meus limites, das minhas tendências neuróticas, das trapaças do meu caráter. E sobretudo, comprendi que a vegetoterapia era um meio clínico radical e nada convencional. Porque facilita a crise, não permite as ilusões e nem as evasões, nos colocam diretamente em contato com a realidade das coisas. E isso é duro…
 
Cuando terminei em 1982 minha análise individual e a análise didática, ou de controle, realizada com Piero Boreli, que foi também meu terapeuta de grupo, fui admitido na S.E.Or como orgonoterapeuta e comecei a trabalhar supervisando durante anos com Federico Navarro em Paris. Ele foi  meu didata principal e meu terapeuta de manutenção ou "ad-vitam" até sua morte em Outubro de 2002.
 
Assim, sem esperar, em alguns anos depois me converti no primeiro psicoterapeuta reichiano espanhol que formava parte da S.E.Or e logo, começamos a formação regrada no meu país, dedicando minha vida profissional ao meu trabalho como clínico pós-reichiano, a docência desta especialidade e a da prevenção da patologia através de um intenso trabalho cultural e de intervenção no sistema familiar patológico. A consequência de tudo isso foi o desenvolvimento de um coletivo de profissionais, entre os que se encontravam M. Redon, Maria Monteiro Rios, J. Alemany, M. S. Pinagua… que fundamos a "Escuela Española de Terapia Reichiana" (Es.Te.R.).
 
Desde então, há passado vinte anos. Recebi um legado rico, herdado durante meu tempo de formação nesta especialização que me fez comprender questões fundamentais (a importância da análise pessoal e da supervisão na formação, a importância da terapia de grupo como complemento da terapia individual, da importância do trabalho em equipe para poder abordar a enfermidade desde a perspectiva pós-reichiana…). Também fui adquirindo conhecimentos das psicoterapias corporais, existencialistas, psicanalíticas e sistêmicas; Tive sorte de poder compartilhar minha vida profissional com uma equipe de colegas e de conhecer o atendimento público e privado; de tratar pacientes de muitos lugares da Espanha que acudiram meu consultório em Valência; e de poder supervisionar desde alguns anos a psicoterapeutas de distintos países da Europa e latinoamérica. E cada dia tento recolher as mensagens que a Vida me dá, sobretudo em minha finha função de pai. Tudo isso foi modulando minha forma de trabalho e me impulsou a aprofundar e a realizar modificações e aportações que fui compartilhando com meus colegas e que junto às suas, foram incorporando-se na dinâmica clínica da Es. Te. R, criando uma identidade profissional própria e um modo específico de funcionar.
 

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2) A PRÁTICA CLÍNICA
 

Gostaria de expor agora, brevemente, que elementos considero que modulam dita identidade como pós-reichianos e membros da Es. Te. R, ou seja, nossa percepção do "divã reichiano".

 

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A) O PRINCÍPIO - A GÊNESE
 
A enfermidade e o sofrimento emocional, têm uma etiologia fundamentalmente social e se articula durante o processo de amadurecimento e de integração de funções da nossa estrutura humana específica. Portanto, o sistema familiar, como ecossistema principal durante este período, - enquanto dependemos dele para sobreviver- , se converte no principal modulador da doença, ou da saude. Se bem sabemos que o sistema social condiciona enormemente as condições de vida do sistema familiar ate o ponto em que é seu ecossistema. Portanto,para entender a enfermidade, temos que aproximar-nos à comprensão das lógicas dos sistemas humanos e da sua inter-relação com os ecossistemas vitais. É assim, como a teoria reichiana situa-se dentro do Novo paradigma ou "Ecologia global" como lhe define F. Capra (1996), porque o conhecimento que adquirimos no divã nos serve para prevenir a futura patologia interferindo sobre nossos ecosistemas. Este é nosso trabalho preventivo e um sinal da nossa identidade. Seguindo a Reich "ajudar a recuperar nossa identidade como animal e como ser humano", recuperar o instinto, recuperar o conhecimento do vivo, e desenvolver ecossistemas e sistemas humanos que facilitem este processo. O processo de ontogênese passa a ser, por tanto, um elemento fundamental tanto na prevenção como na clínica, seu ponto de vínculo.
 
Porque em nossa sistemática clínica com a Vegetoterapia Caracteroanalítica – orgonoterapia (Navarro, 1983, a, 1989, b) muitos dos movimentos neuromusculares ("actings") que a pessoa realiza no divã, são reproduções dos movimentos musculares expontâneos, "sinais" de amadurecimento e de integração funcional psicossomática durante certos períodos básicos da nossa vida infantil. É por isso que através do acting podemos acessar lembranças e experiências vividas neste tempo.
 
Assim, desde a experiência clínica, podemos compreender os tipos de relação patologisantes que são estabelecidas no sistema familiar e que facilitam o desenvolvimento de uma estrutura com uma autopoieses constrictiva (usando um termo de H. Maturama dentro da nossa concepção orgonômica) e por tanto, degenerativa, através da substituição ou bloqueio das respostas básicas instintivas durante a gravidez e o parto que ocasionará disfunções neuro-hormonais e partos clínicos e traumáticos, durante as fases sexuais facilitando a instauração da ambivalência oral e, ou, a fixação triangular edípica., e durante a adolescência, impedindo a possibilidade de desenvolver uma estrutura humana com uma autopoiese expansiva e em constante crescimento, evolução e satisfação, que Reich descreveu como Caráter Genital.
 
Neste sentido, é importante apontar que um parto clínico com forceps ou ventosa, é traumático mas o que realmente provoca uma forte tensão ocular e diafragmática é a perda de contato que se pode produzir entre a mãe e o bebê, antes, durante e depois do parto, sempre que não se compense com uma atitude maternal do pai. Isso, é o que leva ao feto sentir-se arrastado, perdido e sozinho no vazio "cósmico", cortado o cordão com a nave nutridora.
 
Sabemos que etiopatologicamente falando, mais que uma situação trauamática ou disfuncional, o que influencia é o conteúdo que vai assimilando esta ação, a marca emocional, energética e portanto, o fator relacional. E isso, ocorre ao longo de todo o processo de ontogênese (amadurecimento psicoafetivo). Durante a gravidez, o parto, a amamentação (através da fase oral) onde o essencial e realmente importante, não é só o fato de existir a lactância materna, mas o estabelecimento de uma relação amorosa dentro do sistema familiar não só entre a mãe e o bebê, mas também com o resto do sistema familiar, especialmente com a figura do pai, porque se não há! um terceiro risco de fixação do bebê, os deslocamentos de afetos perversos da mãe ao bebê são muito grandes.
 
Vemos então, que atrás de toda disfunção houve sempre um problema relacional e por tanto, do sistema, que não pôde ser compensado. Uma das consequências clínicas desta realidade é que para cobrir os objetivos terapêuticos há de existir um espaço clínico onde se vá gestando uma relação terapêutica que facilita o processo psicoterapêutico. Sendo essa, a base que fundamenta a importância do enquadre ou "setting".
 

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B) O DIAGNÓSTICO
 

Vemos, desta maneira, que segundo as particularidades do processo de ontogênese constritivo, cada indivíduo há desenvolvido dinâmicas estruturais diferentes, distantes da dinâmica funcional do caráter genital. Entendendo por Estrutura, "a incorporação de um padrão de organização" (Prigogine), seguindo o conceito de W. Reich de "estrutura organísmica".

 
Em nossa experiência (Serrano, 1990 a) se dá três tipos de estrutura com características não so psíquicas (como descreve a escola analítica francesa) mas também somáticas, emocionais, perceptivas e existenciais: A estrutura de caráter neurótica (fundamentalmente condicionadas pela dinâmica triangular edípica patogênica e com uma couraça organizada); Estrutura Boderline ou fronteriça (fundamentalmente condicionada pela dinâmica oral ambivalente patógena, com um núcleo depresivo ou depressivo-psicótico e com uma cobertura caracterial cuja função é manter uma "normalidade" social evitando a explosão com esse núcleo patogênico podendo desenvolver uma mínima couraça organizada) e a Estrutura psicótica (fundamentalmente condicionada por uma dinâmica oral primitiva patogênica que provo! ca uma ausência de contato e uma incapacidade de relação com o outro limitando quase totalmente a formação de uma couraça organizada, desenvolvendo para sobreviver uma caracterialidade mimética).
 
Por suas particularidades globais e essenciais estas três estruturas estão separadas por férreas fronteiras marcadas pela própria particularidade. A bateria de provas que permitiria diferenciá-las constitui o que defini como Diagnóstico Diferencial Estrutural, D.I.D.E (Serrano, 1990). Sobre qual considero que é um diagnóstico epistemológico porque pretende conhecer a realidade essencial da pessoa, seu desequilibrio emocional, neurovegetativo, energético, vital. E a partir daí, qualquer aspecto de sua conduta e de sua patologia. Mas não tem apenas presente a sintomatología psicopatológica, e por tanto nao parcializa nem coisifica a realidade da pessoa.
 
Para o desenvolvimento do D.I.D.E. utilizamos as seguintes referências:
a) A predisposição constitucional.
b) O metabolismo orgonótico (Bioenergia).
c) Relações objetais e traços de caráter.
d) Bloqueios e tensões musculares.
e) Funcionamento neurovegetativo e somático.
f) Realidade atual, familiar, laboral, afetivo-sexual, situação clínica, motivações…
g) A atenção em crise e a Psicoterapia Breve Caracteroanalitica (P.B.C.)
 

O diagnóstico de cada estrutura exige um tipo de enquadre (seting) e um tratamento determinado. Em ocasiões nos encontramos (principalmente em centros públicos ou hospitais) com a necessidade de realizar uma atenção em crise, sendo o único enquadre onde a prática clínica realiza-se sem tempo para o diagnóstico. Neste enquadre trabalhamos seguindo os princípios dos "primeiros auxilios emocionais" de Eva Reich (1983), de M. Herskowitz (1968), e de aportações próprias, tendo presente sobretudo a hipertensão ocular e a perda de contato, a hipertensão cervical e os espasmos diafragmáticos. Neste enquadre nossa forma de estar é ativa com um campo energético aberto e portanto, num estado de forte empatia manifesta. E em muitas ocasiões, implica um contato corporal, uma atitude provocativa e em muitos casos paradoxicamente "enlouquecida" que permita a visão do paciente para sentir nossa empatia.

 
Também vemos a necessidade de levar um tratamento específico com as pessoas com uma estrutura psicótica, introduzindo ao sistema familiar ao processo, ou medicações em situações de crise e a comunidade terapêutica também pontualmente.
 
Neste caso, vemos como a importância do diagnóstico se reflete não só no prognóstico, ou uma indicação do tratamento mas também, para ter claro o tipo de enquadre.
 
Por exemplo, sabemos – depois de anos de trabalhar em clínica profunda -, que o nível de pessoas que deixam a terapia a pouco tempo de começá-la por resistências analíticas (fugas terapêuticas) é muito maior na estrutura boderline, em particular naquelas com cobertura compulsivo-masoquista ou fálico-compulsiva. Para prevenir isto, chegamos à conclusão que o número de sessões deveria ser maior que o resto das estruturas e era muito adequado fazer um trabalho prévio com um enquadre focal ou breve que potenciaria seu nivel de "insight" e analisabilidade.
 
Também fomos encontrando com pessoas que são atendidas em centros públicos ou que são atendidas em nossos centros privados mas não têm poder aquisitivo, que não podem se submeter a um tratamento profundo como o da vegetoterapia.
 
Para tentar dar resposta a ambas situações, com alguns colegas fomos introduzindo variáveis próprias da clínica pós-reichiana (entre outros, a análise do cárater, a vinculação entre hipertensão muscular e reação patogênica aguda, e a realização de "actings" ou movimentos neuromusculares de tipo "ontogênico") dentro da tradição clínica analítica da terapia breve (Mahler, Balint, Braier…) chegando a desenvolver uma sistemática que defini como "Psicoterapia Breve Carateroanalítica" (P.B.C.) (Serrano, 1992). Em que o objetivo é facilitar a consciência emocional daqueles traços de cartáter que estão ocasionando uma disfunção patogênica e portanto, uma sintomatología. Essa toma de consciência permite gestionar de uma forma mais funcional e consciente seus recursos e sua realidade. E ao mesmo tempo reduzem os focos de hipertensão e liberam superficialmente a respiração aumentando a receptividade e a sensibilidade. São objetivos limitados que tentam reduzir o sofrimento e anular a sintomatología utilizando a crise como uma ferramenta terapêutica aliada ao "insight". Mas como os objetivos são limitados, tanto o enquadre como a técnica têem que ser coerentes e por isso diferentes aos da terapia profunda, para evitar a ruptura das defesas essenciais, a regressão e a neurose de transferência porque não temos tempo para abordar tudo isso, objetivos que sim podemos cumprir com um enquadre profundo, seguindo nossa tradição clínica.
 
Para isso, o terapeuta terá uma posição analítica, neste caso, mais diretiva, evitando a indução e trabalhando muito com as sinalizações, os contrastes, a livre associação e combinando o tempo da sessão entre a posição sentados de frente e o divã para a realização dos "actings" com um tempo reduzido a respeito da terapia profunda que combinaremos com outras técnicas corporais estando o paciente deitado, mas vestido. As sessões serão semanais e a duração será prefixada com uma media de vinte sessões. As sessões individuais podem combinar-se com duas sessões de grupo ao mês de duas horas cada sessão (ou de uma sessão de três horas, em função das circunstâncias específicas de cada grupo, (mas sempre começando na terceira fase do tratamento, a partir do terceiro mês. É interessante lembrar que tanto Reich em sua obra "psicologia de massas do facismo", como O.Raknes (1950) já haviam pensado nesta opção terapêutica, ainda que não aprofundadas por eles.
 

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D) O ENQUADRE OU "SETTING"
 

Podemos afirmar, que exceto nas circunstâncias antes descritas, o enquadre ou « setting » da nossa prática segue a tradiçao da psicoterapia européia, e portanto, toma como referência a pisicanálise.

 
De fato, Reich se sentia em todo o momento dentro deste movimento (ver livro: Reich fala de Freud, 1970). Por isso, é um enquadre analítico. Nos identificamos parcialmente com o psicanalista Etchegoyen (1986) cuando lembra que o "setting"é "antes de tudo uma atitude mental do analista e que instala um conteúdo, o processo. Este conteúdo consiste na relação singular entre analista e analizado e compõe-se em três elementos: transferência, contratransferência e aliança terapêutica. Para que o processo desenvolva, deve existir um marco, o mais estável possível, o enquadre."
 
Em nossa experiência, essa atitude nao é somente mental, mas também emocional e portanto, energética, analógica e, sendo o elemento básico do "divã reichiano". O enquadre, - sem o qual não há processo e portanto não se cobrem os objetivos clínicos -, configura-se a partir de uma sistemática que vincula uma série de técnicas, mas para que sejam funcionais, devem estar moduladas pela posição e forma de estar do terapeuta. Estando junto ao paciente, respeitando seu ritmo, sem induções nem conselhos, sem formulações nem receitas sobre os aspectos atuais da sua vida. Com esta atitude, a pessoa se sente acompanhada, mas ao mesmo tempo facilita a possibilidade de deslocar afetos que foram desenvolvimos com objetos afetivos históricos através do qual vai estabelecendo-se a transfêrencia.
 
Em resumo, existira neutralidade suficiente, sem que por isso, perda-se a atmosfera empática. Em termos de Matte Blanco, diríamos que o terapeuta deve saber colocar-se nos planos de um enquadre analítico: o simétrico e o assimétrico.
 
As sessões individuais realizam-se com o paciente deitado com o corpo visto e o terapeuta junto a ele, mas sem invadir seu espaço. O número de sessões e a periodicidade determina-se em função da estrutura, mas costuma ser entre um mínimo de uma sessão cada quinze dias de uma hora e meia (sessão dupla) e um máximo de duas sessões duplas por semana. Não há tempo estabelecido (diferente do enquadre da P.B.C.) para terminar o processo o qual se realizará, como qualquer outra situação do enquadre a partir de um acordo entre o paciente e o terapeuta
 

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E) A PSICOTERAPIA PROFUNDA: VEGETOTERAPIA CARACTEROANALÍTICA (ORGONOTERAPIA)
 
Um vez estabelecido o contrato terapêutico, no caso de um enquadre profundo, começa a vegetoterapia caracteroanalítica (orgonoterapia): "Quando em 1935 descobriu-se o reflexo do orgasmo, o acento do trabalho caracteroanalítico se deslocou ao domínio somático. O termo "vegetotrapia" representou o fato de que agora minha técnica terapêutica influenciava sobre a neurose caractereológica no domínio fisiológico. Falamos de "vegetoterapia caracteroanalítica", indicando com isso o trabalho simultâneo sobre o aparelho psíquico e sobre o somático. A expressão tinha suas desvantagens, que neste momento não podiam remediar-se. Em primeiro lugar, era muito longa. Continha o termo "vegetativo", que soava como certo em alemão, mas em inglês nos lembrava aos "vegetais". Por último representava ainda uma divisão do organismo em uma parte psíquica e outra somática, a qual se opunha ao nosso conceito unitário do mesmo. O descobrimento do orgônio, pôs termo a estas dificuldades conceituais. A energia orgônica cósmica funciona no organismo vivo como energia biológica especificada. Como tal, rege a totalidade do organismo e expressa-se por igual nas emoções e nos movimentos orgânicos puramente biofisicos. Assim, pela primeira vez, e com seus próprios meios, a psiquiatria estava enraizada nos processos científico-naturais objetivos (…). Tudo isso explicará porque a expressão "orgonoterapia" abarca a análise de caráter e a vegetoterapia. O objetivo comum é a mobilização das correntes plasmáticas do paciente. Em outras palavras, não podemos dividir um organismo vivo em atitudes caracteriológicas, músculos e funções plasmáticas, se tomamos nosso conceito unitário do organismo em forma séria, em forma prática.
 
Na orgonoterapia, trabalhamos com a profundidade biológica, o sistema protoplasmático, o núcleo "biológico" do organismo.
 
O leitor comprenderá que trata-se de um passo decisivo. Abandonamos o domínio da psicologia, incluindo a "psicologia profunda" e fomos mais além da fisiologia dos nervos e músculos, até o domínio das funções protoplasmáticas". (Reich, 1949 a).
 
Esta prática clínica está modulada fundamentalmente pela relação terapêutica que é desenvolvida levando-se em conta a estrutura do paciente. A dinâmica transferencial vai acompanhada ao ativamento de lembranças e de emoções vinculadas de forma particular ao objeto transferencial e ao segmento da couraça que estamos trabalhando. Seguindo a tradição reichiana (Reich, 1945) o processo se realiza de forma encefalocaudal, do primeiro ao sétimo segmento, porque é a forma em que foram estabelecendo-se os bloqueios e as tensões, as defesas frente ao distrés produzido em seu processo de ontogênese, como já vimos anteriormente.
 
Esta abordagem do muscular desenvolve-se fundamentalmente através da execução, por parte do paciente de certos actings neuromusculares que foram sendo sinais moduladores do processo evolutivo infantil, durante um certo tempo e durante um certo número de sessões. O tempo de execução de cada acting é de aproximadamente 20 minutos. Durante este tempo, a pessoa está centrada na ação muscular e, em sua respiração, observando as coisas que passam por sua mente em uma posição de atenção flutuante. Se aparecem sensações ou imagens, o paciente estará atento para compartilhar verbalmente em seguida com o terapeuta, comunicando aquilo que lembre.
 
Assim como se aparece alguma emoção, irá entregar-se a vivê-la conscientemente. Enquanto isso, o terapeuta estará ao seu lado, acompanhando esta ação, mas sem interferir, apenas empatizando com o que o paciente pode sentir e observando suas reações involuntárias neurovegetativas, que fazem parte da linguagem corporal que o terapeuta deve entender. E no momento apropriado, contrastar, sinalizar ou analizar, dentro do processo de elaboração analítica.
 
Estes actings desenvolvem-se de maneira sequencial seguindo a metodología de F. Navarro (1990) aplicando-os em função das estruturas (Serrano, 1994). Para ter uma referência prática, vou descrever alguns dos actings que são realizados com o primeiro segmento:
 
Existem actings para abordar os sete segmentos da couraça muscular descritos por W.Reich que vão dinamizando-se, buscando a recuperação da motilidade vegetativa e a funcionalidade neuromuscular.
 
Não há muitos actings, porém, os que empregamos foram sido experimentados e garantem suficientemente a funcionalidade. Por outra parte, o importante não é a quantidade de movimentos, mas sim a repetição e a análise da forma em que cada pessoa realiza este movimento, pois cada pessoa realiza de maneira diferente.
 
Formando tudo isso parte da análise do caráter, entendendo por caráter a estruturação defensiva psico-somática, que irá refletir-se tanto na conduta em sua base psíquica como na resposta muscular em sua base somática. Desta maneira, não induzimos nem provocamos emoções nem regressões, mas facilitamos uma progressiva consciência corporal através da qual o sujeito sente a diferença entre o "eu" (ego) e o caráter, a relação entre a história e a sua conduta atual, seus limites e suas potencialidades e já sabendo gestionar sua realidade em função de um "eu" (ego) ao que lhe acompanha uma couraça – caráter flexível e baseado no princípio de prazer e da expansão, do amor, e portanto na capacidade de entrega e, de viver a experiência orgástica que sempre acompanha uma maior capacidade de compromisso social.
 
Mas isso nao é facil, implica submergir-se no inferno, no que há atrás das resistências, encontrar-se com as pulsões reprimidas, aparecendo as resistências que condicionam o tempo do final do processo.
 

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F) A TERAPIA DE GRUPO
 
Esta abordagem individual vai acompanhada do trabalho em grupo, o qual, mensionarei brevemente.
 
O trabalho em grupo começa quando o processo de "separação-individuação" foi suficientemente elaborado na terapia individual, utilizando a terminação de Mahler. Ou seja, quando o paciente pôde integrar em seu ego os aspectos negados de seu processo de desenvolvimento de sua primeira infância e está capacitado para se relacionar com o "outro", podendo abordar todos os conflitos que esta pessoa foi encontrando no seu processo de integração social (família ampla, escola, turmas…). Isto costuma coincidir desde o ponto de vista neuromuscular quando no trabalho de desbloqueio encéfalo-caudal começa a trabalhar-se o terceiro e quarto segmento.
 
São grupos mixtos de 12-14 pessoas com dois do-terapeutas de sexos dferentes com uma sessão mensal durante dois anos (o social é concreto e como tal, o espaço grupal tem um tempo de duração) e onde o sistema grupal desenvolve sua própria matriz para trabalhar dinâmicas sociais conflitivas como os conflitos de gênero, a paranóia social, os papéis, o medo a autoridade, o individualismo, a dificuldade de assumir responsabilidades sociais e identidade grupal.
 
Dentro de uma sistemática própria (Serrano, 1997, d) se utilizam as referências do grupoanálise de Foukles, do psicodrama de Moreno com as técnicas psicocorporais. Mas o objetivo fundamental é que os participantes através da matriz grupal e dos conflitos que se desenvolvem neste grupo, tenham consciência dos conflitos sociais que vivem em sua vida real, e que, entre todos, encontrem formas de resoluções. Uma forma muito importante de adquirir a "identidade social ou do coletivo", algo tão carente em nosso sistema social.
 
Tendo presente que este espaço grupal é uma ferramenta convergente da vegetoterapia individual e em função desta tese se desenvolve a prática dos terapeutas.
 

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H) A PREVENÇÃO E O DIVÃ REICHIANO
 
Para terminar, quero descrever mais dois aspectos da nossa prática clínica e de nossa identidade como orgonoterapeutas (especialistas em sistemas humanos).
 
O primeiro, seria a importância da prática cultural e a intervenção conseguinte nos ecossistemas sociais implicados que permita uma prevenção da patologia funcional e do sofrimento do animal humano. Com os anos fomos podendo fazer acompanhamentos de sistemas familiares onde a relação afetiva e o ritmo eram diferente aos habituais, e onde se respeitava o processo de ontogênese assumindo a força do instinto como modulador da realidade da espécie. E com a nossa experiência junto aos nossos proprios filhos pudemos observar a importância que têm certos momentos no amadurecimento do animal humano e a forma de atuação que possa facilitá-lo: Uma gravidez desejada e amada, um parto sem violência, uma relação oral onde a lactância se vive como fonte de prazer e não só como nutrição e onde todo o sistema familiar já esteja implicado (ver bibliografía), etc. E chegamos à conclusão que a prevenção sempre vai vinculada à clínica.
 
O segundo, a necessidade de trabalhar em equipe, de sentirmos parte de um coletivo de profissionais com uma linguagem, uma identidade e portanto, uma formação comum que nos serve de eixo para integrar as formações particulares de cada membro com o resto da equipe, e que permite abordar a cada paciente desde uma perspectiva global.
 
Assim, homeopatas, naturistas, psiquiatras, psicoterapeutas, especialistas em P.B.C., especialistas em V.C., em prevenção, em sistemas familiares ou casais, em obstetricia e em outras especialidades medicas compartilham seu saber para um diagnóstico comum (D.I.D.E.). Planejar Uma prática clínica onde o objetivo seja a saúde do paciente e não o prestígio ou a economia do profissional.
 
Esta, é para nós, a única maneira de poder dar resposta a uma série de casos clínicos onde confluem diversos sistemas da estrutura humana, em particular, das pessoas com biopatias ou enfermedades funcionais normalmente denominadas psicossomáticas, como o câncer, a úlcera, as doenças imunológicas ou neuroendócrinas… Em que, com a vegetoterapia, devemos incorporar o Or. Ac., acumulador de energia orgânica (De Meo, 1989), a audiopsicofonologia, os oligoelementos, as vitaminas e inclusive o psicofármaco quando necessário. Mas tudo isso de maneira funcional e individualizada, desenvolvendo o projeto global da Orgonoterapia pós-reichiana.
 
Esta prática que realizamos cotidianamente esta impregnada de dificuldades porque deixamos de atuar em função de nossas necessidades e do nosso espaço "oculto" e clandestino para passar a expor e compartilhar nosso trabalho. Porém, é um desafio profissional muito estimulante. Assim com um caso, podemos trabalhar um terapeuta de casal, um especialista em vegetoterapia e um em prevenção conjuntamente se necessário (por exemplo um assunto de divórcio de um casal com filhos), tendo presente a exigência de uma comunicação clínica entre esses profissionais mantendo uma prática com uma determinante ética e de ontologia profissional.
 
E a pesar de toda esta experiência somos conscientes de que há muitas coisas que investigar, pesquisar e resolver, em particular tudo o que esta relacionado com a abordagem dos transtornos multissistêmicos (transtornos alimentários, esquizofrenía, conflitos familiares…) tendo presente o apartado por outros modelos, sendo fundamental para isso a comunicação e a interação entre os terapeutas para poder enriquecer e aprofundar nossa prática clínica NO DIVÃ REICHIANO.
 
 

 

Xavier Serrano, Novembro de 2002
(Tradução por Juliana Vieira Martinez)

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Notas:

1. Orgonoterapia: Nome dado por W. Reich em 1936, a sua forma de trabalho psicanalítica ao incorporar a tese de que "cada rigidez muscular contém a historia e o significado da sua origem", dando especial importância à vinculação entre a conduta de cada pessoa e seu caráter, sua forma de respirar e suas tensões musculares, hipótese mantida pela idéia de que a neurose cactereológica se refletia na disfunção neurovegetativa, ou seja, do sistema nervoso vegetativo, que e o sistema que rege o mundo emocional e o movimento pulsatório e involuntário dos órgaos vitais. Começando assim, a medicina psicossomática. Em 1945 foi definida como Orgonoterapia procurando uma palavra que não produzisse divisão entre soma e psique: "Abarcava a análise do caráter e a vegetoterapia" (Reich 1945) e o objetivo clínico era recuperar a capacidade de pulsação biológica, vital, a recuperação da livre corrente vegetativa que integra através da emocionalidade, a psique e o soma, "e cuja medida de funcionamento se encontra no denominado " reflexo do orgasmo porque e onde se expressa a função da energia biológica, bioenergética, orgânica" (idem 1942). A mudança de nome não modificou basicamente a terapêutica, mas começou a combinar-se com outros tratamentos, como o OR. Ac, ou acumulador de energia orgânica. Por isso, F. Navarro foi partidário de seguir empregando o termo Vegetoterapia até que não houvesse avançado mais em suas investigações sobre o orgón (nome dado por W. Reich ao conceito de energia vital, ou prana, "elen vital", chi…)

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2. No tempo que escrevia aconteceu a morte de F.Navarro em sua casa de Nápoles aos 78 anos.

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3. Nesta aventura participou ativamente Maite S. Pinagua, a que foi minha companheira e mãe dos meus filhos Iris e Daniel - que também realizou sua formação em Seor em Nápoles e participou de todo o processo de formação na Es. Te. R.

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