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A ECOLOGIA DOS SISTEMAS HUMANOS NO NOVO PARADIGMA

Xavier Serrano Hortelano

"O ser humano desde o ponto de vista orgonômico é, igual ao resto dos seres vivos, um fragmento de energia cósmica especialmente organizada." (W. Reich)

ÍNDICE

 

(Síntese das transcrições das conferências realizadas no "Club Social: Diário Levante" em Valência, Maio de 2001 e em Novembro de 2001 em Rio de Janeiro no "Instituto de Medicina e Reabilitação")

Transcrições realizadas por Maria Clara Ruíz Martínez e Marina Velela
Tradução por Juliana Vieira Martinez

 

 

*As "vacas loucas" em um sistema enlouquecido

 
Há alguns meses o problema das "vacas loucas" era atualidade na Europa. Se descrevia muito o que acontecia, as doenças que contagiavam e como medida preventiva, matavam milhões de vacas. Mas, do que se falava, pouco era sobre as orígens dessa doença. Esta espécie já sofreu os estragos do animal humano, do suposto animal superior e curiosamente nos afetou. O que criamos está voltando-se a nós e além das razões fisiológicas, é evidente que a busca da produtividade e por tanto, a idéia capitalista de ter – como se há dito em seu dia, - "carne para todos" foi alcançado em condições realmente anti-ecológicas, de aglomeração, de separação precoce dos bezerros com as mães, ! de alterações hormonais e, por tanto, de grave alteração dos ritmos biológicos.
 
De fato, já faz alguns anos que fizeram experimentos que já demonstravam esta tese. H. Maturana descreve um deles em seu livro "A árvore do conhecimento": "Durante alguns dias separaram das mães cordeiros recém nascidos para logo serem devolvidos. O cordeirinho cresce, caminha, segue sua mãe e não revela nada diferente até que comece a interar com outros cordeiros pequenos. Estes animais gostam de brincar correndo e bater com a cabeza. Os cordeirinhos separados das mães, não fazem isso durante horas. Não sabem e não aprendem brincar; permanecem afastados e solitários". Este biólogo se pergunta o que aconteceu, e sua resposta é clara: "Não podemos dar uma respo! sta detalhada do que aconteceu, mas o fato de que este animal se comporte de maneira diferente revela que seu sistema nervoso é diferente do resto como resultado da privação materna transitória que sofreu. Durante as primeiras horas depois de nascer, a mãe lambe persistentemente ao cordeirinho, passa-lhe a língua por todo o corpo. Ao separá-los, impedimos esta interação e tudo que existe de estimulação tátil, visual, e provavelmente, contatos químicos de vários tipos. Estas interações se revelam no experimento como decisivas para uma transformação estrutural do sistema nervoso que tem consequências aparentemente bem remotas da simples lambida, como é o brincar. Todo o ser vivo começa sua existência com uma estrutura unicelular particular que constitui seu ponto de partida. Por isso, a ontogênese de todo ser vivo consiste em sua contínua transformação estrutural, em um processo que, por um lado, nele acontece sem interrupção de sua identida! de nem do seu acoplamento estrutural ao seu meio desde seu início até sua desintegração final, e por outro lado, segue um curso particular selecionado em sua história de interações pela sequências de mudanças estruturais em que gatilharam-se nele. Por tanto, o dito para estes cordeirinhos não é uma simples exceção."
 
Este exemplo que tanto nos fala da importância que têm as variáveis dos ecossistemas no processo de ontogênese (desenvolvimento maduro). E também das consequências que levam estas novas variáveis constritivas impostas (e que Maturana chamaria "interações destrutivas") nos ecossistemas circundantes. Por isso não faz diferença falar das vacas e dos pastos, das galinhas ou dos seres humanos, porque são alterações que no fundo correspondem a dinâmicas que vão contra a natureza de qualquer ser vivo. Ir em contra ao ritmo biológico, ao evitar as dinâmicas afetivo-amorosas dos primeiros momentos, supõe uma agressão biológica externa, que condiciona o processo de organização desta estrutura.
 
As vacas têm um período de amamentação - como todo mamífero – que não foi respeitado, como não se respeita o contato nem o fato de pastar em liberdade, fatores que não têm a ver só com o que comem ou com o que se produz desde o ponto de vista biológico, senão com o ecossistema em que vivem.
 
A análise que faço deste caso, poderia servir de referência ao descrever muitos fenômenos atuais não só desde a filosofia ou epstemologia, mas também desde perspectivas científicas que ao longo dos últimos decênios, pesquisadores de distintas disciplinas foram refletindo, desde a microbiologia até a geologia, passando também pela psiquiatria. Estes científicos coincidem numa série de aspectos que nos leva a definir a alternativa paradigmática, a teoria científica atual como paradigma holístico, ou seja, que leva em consideração a globalidade das coisas e portanto, aquilo que se analise será sempre em relação ao meio. Cito uma frase de F. Capra, científico que está divulgando estes conceitos: "O novo paradigma tem uma visão holística do mundo já que o vê como um todo integrado mais que como uma descontínua coleção de partes. Também tem uma visão ecológica usando o termo ecológico num sentido mais amplo e profundo do habitual. A ecologia profunda reconhece a interdependência fundamental entre todos os fenômenos e o fato de que como indivíduos e como sociedades estamos todos imersos nos processos cíclicos da natureza."
 
O tema das vacas loucas está relacionado com o ser humano desde vários pontos de vista. Simplesmente o fato de separar aos recém nascidos, aos bezerros, de suas mães e não deixá-los viver o processo de amamentação com o contato epidérmico e hormonal natural que isso implica, já traz uma série de consequências, pois afeta a este sistema completo. E este sistma tem que se defender, tem que criar dinâmicas alternativas, que não sabemos quais serão e que podem ser posteriormente analisadas desde uma ótica patogênica, ao desenvolver uns mecanismos adaptativos, que o biólogo chileno H. Maturana define como "autopoiéticos". Isso significa que todo sistema desenvolve dinâmicas de autocriação conforme relaciona-se com os ecossistemas circundantes. E que, como já vimos, podem ser interações compatíveis ou destrutivas, segundo este autor e, que desde meu ponto de vista, - mesmo que sempre vai existir processos autopoiéticos-, serão de indole expansiva ou constritiva. Sendo estes últimos semelhantes aos que W. Reich descreve como consequência do sistema defensivo que denomina "couraça carácteromuscular", que provocam, por sua vez, processos degenerativos e patologías funcionais.
 
Dependemos e nos relacionamos com o que nos rodeia. Como nenhum ser vivo é uma entidade isolada, o que fazemos, vai repercutir diretamente no exterior. Isso é revolucionário científicamente falando, porque significa, por exemplo, que em um momento determinado uma podada de árvores que poderia servir para acender uma lareira, com o tempo possa estar prejudicando toda uma zona de abelhas que estava aí com suas colméias, perturbando esse sistema e esse tipo de espécie em concreto. Esta é apenas uma das consequências, porque com o tempo, na cidade, pode ocorrer um ataque de abelhas e apartir daí doenças que podem causar uma epidemia, pela qual a humanidade vai desaparecendo a partir de uma podada de árvores, porque há uma mutação. Isso parece ficção científica, mas a ficção científica tenta refletir situações de maneira avançada e vanguardista.
 
Não sou um ecologista especializado em sistemas físicos, geográficos nem geológicos, mas sim nos sistemas humanos, por isso, tento passar o conceito de autopoiése à nossa espécie, levando em consideração a idéia filosófica de que não existe nem o bom nem o mau senão as consequências das ações.
 
Qualquer ação tem uma consequência. As vezes não sabemos qual será, as vezes, podemos prevê-la, e assim, prevení-la. Essa consequência seria beneficiente para a manutenção, preservação, confirmação, e portanto, para a evolução do que existe e suas potencialidades, ou pode ser contrativa, entrópica e assim, de desaceleração e desestabilização do meio. Isso repercutiria a longo prazo no processo do indivíduo que o provocou, mesmo que a curto prazo não seja visível. Foi o que se produziu no animal humano. Porque contemplamos não só o que vemos, e temos objetivos e interesses a curto prazo que nos interessa corrigir e aos quais queremos tirar algum benefício imediato. Entramos na base do produtivismo, do economicismo e da mais-valia e, portanto, da economia capitalista.
 
 

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*A espécie humana e "gaia"

 
Em menos de cem anos o desenfreio da "gaia", do planeta Terra, nossa casa, há sido indescritível, tendo em conta o tempo que é necessário para cegar a um processo de estruturação, de evolução e de desenvolvimento. Assim, os microssistemas e as estruturas vivas foram gerando processos autopoiéticos, adaptativos, de desenvolvimento, de evolução, de manutenção do meio, que por sua vez, foram criando processos produtivos, adaptativos e de criação de novas espécies. Há bilhões de anos apareceram as primeiras espécies vivas conhecidas – as vegetais – e há pouco, há apenas milhões de anos, começa a existir o mais parecido à estrutura animal humana. Isso que se gestou em 3.500 milhões de anos, em 80 ou 60 anos está transformando-se completamente, sem nenhum tipo de ordem. A única lógica é a da produtividade e a lógica neurótica de uma espécie, que supõe formar parte dessa dinâmica global de criação, que foi entrando na loucura como espécie, desenvolvendo dinâmicas constritivas, destrutivas, que foram gerando uma mutação concreta. Evidentemente isso repercute no desenvolvimento da própria espécie, que não se livra das doenças inmunitárias e degenerativas, das enfermidades do distrés (estrés patogênico) e do aumento de enfermedades cardiovasculares, entre muitas outras.
 
Poderíamos pensar que a margem de tudo isso há mais comodidade e mais meios técnicos para melhorar nossas vidas e ter mais possibilidades de desenvolvimento. Mas a custa de muitos desequilíbrios e sem ter presente o futuro. Não só podemos avaliar a realidade pelo o que temos, pelo o que há, desde uma perspectiva mecânica, senão pelo o que somos e pelo o que existe, e o que poderá existir. Não faço uma apología do primitivismo nem da volta atrás, não se trata de voltar às comunidades primitivas, mas sim de tentar preservar aquilo que se desenvolveu durante milhões de anos e, conviver com as leis do vivo desta maneira. Desenvolvendo o presente preservamos e potencializamos o futuro.
 
A ciência da ecologia estuda estas leis do vivo e a comunicação dos distintos ecossistemas, o que curiosamente um científico e profissional da saúde, W. Reich, neuropsiquiatra, há meio século já, investigou nesta direção e definiu esta corrente com o termo "orgonomia". Se atreveu a colocar um termo a uma disciplina nova, cuja a tentativa era, precisamente, reunir científicos de diferentes disciplinas para poder estudar de uma maneira global as leis do vivo e tentar descubrir o que há em comum entre uma bactéria e uma galáxia, entre um animal humano e uma planta, e por quê há vida e como co-existimos. Isso é o que considera-se dentro do paradigma científico atual, tentar explicar as coisas desde a polaridade e desde o qualitativo. Isso supõe tentar entender quais mecanismos levaram ao ser humano a perder sua identidade como espécie. Porque o animal humano é o único que não possui identidade como espécie em relação ao resto dos seres vivos com conhecimento de causa de que para ter identidade não precisa ter consciência, já que uma coisa é identidade biológica e outra, identidade psíquica. E esta falta de identidade vai vinculada ao que W. Reich definiu como "perda de contato".
 

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*Contato, Couraça e Identidade

 
Em meu trabalho cotidiano como psicoterapeuta, abordando diariamente o sofrimento emocional, observo "in extremis" esta perda de contato. A pessoa chega à consulta com uma sintomatología sexual, psicopatológica ou psicossomática, desconhecendo sua causa e a atribuindo a mil possíveis e diferentes coisas, quando em realidade, a maioría das ocasiões, deve-se a um disturbio sistêmico produzido em sua estrutura humana como consequência de um distrés ao não poder adaptar-se por mais tempo às exigências dos ecossistemas circundantes (família, sistema educativo, laboral, social, cultural…).
 
Sendo a doença uma linguagem, a expressão de um código somático, orgânico, que tem de ser decifrado para poder compreender uma mensagem implícita e desconhecida para a consciência porque foi produzida uma perda de contato com seus processos internos, com suas necessidades, com seus conflitos, com seus anseios, seus desejos, suas frustações…
 
E esta perda de contato vai produzindo-se ordenadamente, como defesa ante as progressivas exigências que cada recém nascido vai recebendo ao longo da vida infantil, separadas, a maioría delas, das necessidades reais que permitiríam o amadurecimento e desenvolvimento, de forma integrada e equilibrada, de todas as funções que caracterizam a nossa espécie.
 
Isso vai ocasionando um embrutecimento progressivo da nossa percepção mantido pela "couraça caracteromuscular", denominada por W. Reich, a qual, através de umas atitudes comportamentais cronificadas e adaptativas estereotipadas junto a tensões musculares crônicas em determinadas partes do nosso corpo, vão limitando a respiração e o processo vital em geral para evitar perceber a angústia que ocasionou a violência que foi exercida em nossos corpos indefesos e fracos, negando nossas necessidades afetivas, emocionais e sexuias, estruturando esta percepção parcial e mecanicista que nos caracteriza.
 
As consequências de este estado de coisas não só se observam no espaço da clínica mas também nas dinâmicas sociais e no comportamento humano em geral. Perde-se a naturalidade, a percepção cósmica, solidária, humana, sentindo a solidão, o vazio existencial, introjetando ao "outro" e ao mundo como inimigos e desenvolvendo atuações egoístas, individualistas e destrutivas baseadas no medo. Rompe-se o cordão que nos une à nave e que nos faz flutuar no espaço, entrando no pânico no desespero. Tudo isso mantido e restringido por ecossistemas e estruturas sociais que facilitam a compensação dessas carências através de mecanismos evasivos (alguns meios de comunicação, as máquinas), catárticos (algumas festas e esporte de massas) e vorazes (o estímulo ao consumo selvagem), e em ocasiões com comportamentos repressivos e ideológicos.
 
Esta falta de identidade implica, desta maneira, que o animal humano perdeu sua capacidade de perceber e de autoperceber-se, perdendo assim, sua essência humana como espécie, como natureza, como parte do cosmos.
 
Como consequência, perdeu sua espiritualidade no sentido leigo da palavra, ou seja, da sacralização da natureza e daqueles atos que permitem um desenvolvimento e contato com o vivo. Os conceitos de espiritualidade e religião são diferentes. As religiões são em geral uma manifestação clara da dispersão da essêcia do animal humano. É paradóxico, lamentável e intolerável que hajam sido e sejam as religiões que cometem em nome de Deus as maiores atrocidades, e sejam as igrejas em nome das religiões, que cometeram genocídios muito maiores que os governos mais duros. Nem Hitler, sequer com o nazismo, superou à igreja neste sentido. Lembremo-nos o genocídio das culturas latinoamericanas, por parte dos espanhóis, dos portugueses, dos ingleses disparando em nome de Deus, em nome de algo que se supõe sagrado e espiritual e que dá vida.
 

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*Superando ao Dr. Jekyll

 
Nós criamos monstros e logo, nos assombramos e nos assustamos com eles, tal como descreve Mary Shelley em sua novela "Frankestein". O personagem se assusta com o monstro de sua criação, de sua própria atrocidade e nao só se assombra, mas o despoja, o deixa, o abandona, o nega. O monstro negado por seu criador, sem nenhuma identidade, destrói. Em sua autopoiése, apenas pode destruir, mesmo que não queira. Nos assombramos, custa assumir nossa responsabilidade e deveríamos começar tomando consciência desta realidade. Isso significa que não somente devemos dar importância a reciclar as latas, a não jogar o lixo na natureza ou a não matar pássaros pelas ruas. Isso reflete que possuimos consciência ecológica, mas também temos que assumir que seu aspecto fundamental, essencial e ao qual nos resulta muito complexo, é o de poder sentirmos parte do to! do, o que significa poder sentir plenamente o que está acontecendo ao nosso redor. Se sentíssemos realmente a destruição não poderíamos destruir e aí onde está o conceito de desidentificação como espécie. É muito complexo, porque assumir uma plena consciência ecológica significaria a possibilidade de estar em contato com a nossa essência e de sentir o que ocorre realmente ao nosso redor, o que nos faria submergir em uma tristeza e um sofrimento permanente e, para evitar isso, nosso biossistema põe em ação mecanismos de defesa paliativos, - que W. Reich descreveu como "processo de encouraçamenteo" – limitando nosso contato e embrutecendo nossa percepção, o nosso sentir e assim, nossa "consciência ecológica global". Com isso, falaremos de que a autopoiése que é produzida no ser humano é diferente do resto das espécies desde séculos atrás, caracterizando-se por um claro processo de constrição por estar esquecendo e perturbando as necessidades do novo ser para desenvolver as potencialida! des que tem como espécie e portanto, ocasionando um processo de autorregulação, cada vez menor, mais contraído, mais medroso. Recordemos a R. Spitz, quando descreveu como crianças chegaram a morrer por apatías, por depressões anaclíticas nos orfanatos, não por fome, mas por falta de contato, de afeto.
 
Se pode chegar a morrer por falta de amor, mas a estrutura antes que isso aconteça, tentará sempre criar novas formas para sobreviver. Inclusive pode criar uma espécie de roupa de mergulhador em volta, que impeça ver, olhar e sentir. Por isso, neste discurso, a culpa não pode existir, mas sim a responsabilidade. Não podemos pensar que somos "maus" porque estamos educando crianças neuróticas ou com estruturas autopoiéticamente constritivas. Por que em pricipípio, atuamos como sabemos e podemos estar condicionados por nossos próprios limites caracteriais e pela laje da nossa couraça. Mas sim que podemos e devemos assumir nossa responsabilidade e buscar medidas de mudanças, para que podamos desenvolver sistemas familiares e educativos mais humanos que facilitem mais a abertura da nossa percepção e desenvolvimento da nossa capacidade de contato,! ao permitir que os novos seres humanos cresçam em condições e com um ritmo de acordo com sua espécie, satisfazendo suas necessidades biológicas e específicas. E este trabalho começa na vida intra-uterina e no nascimento, continua durante toda a infância e adolescência, até alcançar a autonomia e o amadurecimento egóico.
 
Desta forma contemplamos nossas ações levando em consideração não apenas as consequências imediatas senão também as futuras. Precisamente uma das características do novo paradigma é a "sustentação" tal como descreve Lester Brown: "uma sociedade sustentável é aquela capaz de satisfazer suas necessidades sem diminuir as oportunidades das gerações futuras".
 
 

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*Cooperação e apoio mútuo

 
Em poucas palavras, este é o grande desafio do noso tempo. Criar oportunidades sustentáveis, ou seja, entornos sociais e culturais aos quais podamos satisfazer nossas necessidades e aspirações sem comprometer o futuro das gerações seguintes. Neste sentido Kropotkin, - etnólogo e um dos principias ideologistas libertários -, no início do século XX, já mencionava este conceito, que o definia como "apoio mútuo". Demonstrou como as espécies não se mantinham por concorrência, mas que o princípio da vida as regulava, ou seja, através da colaboração e da cooperação das espécies. Isto está sendo retomado no paradigma científico atual. Assim lemos em uma obra do biólogo chileno H. Maturana: "Na natureza não há concorrência, por muito que seja afirmado por aqueles que mal entenderam a Darwin. A concorrência não é um fenômeno biológico primário. É um fenômeno cultural". Nesta mesma linha encontra-se Reich, pois uma das teses de seu "Funcionalismo orgonômico" manifesta que: "É a mesma função que dirige a cooperação".
 
Poderíamos trazer a idéia de colaboração e cooperação ao terreno das sociedades humanas para recuperar dinâmicas sociais que foram perdidas e sufocadas pela competitividade e pela ferocidade da violência vinculada aos interesses econômicos que está nos levando à autodestruição como espécie e, como consequência, ao do nosso planeta.
 
Sempre houve movimentos que potenciaram este princípio, e para o movimento libertário e o da ecologia global é uma máxima fundamental. Mas este princípio de cooperação há que fundamentar-se em uma identidade de coletivo, há que apoiar-se nos pilares da solidariedade emocional, não só "ideológica" ou "moral", porque não sendo assim, podemos fazer as coisas, mas em função de modelos referenciais ou modas, e, por não estar enraizado no sentimento pode haver um efeito pouco duradouro ou incluso manipulável.
 
Por exemplo, agora está em moda o chamado "Time Work", como técnica de aplicação nos recursos humanos em empresas. Isto significa que o foco de ação ao resolver os conflitos das empresas, seja o de analisar a realidade de seus membros e fomentar uma comunicação corrente que permita desvelar aqueles conflitos que possam estar condicionando a dinâmica de trabalho. É um conceito interessante, mas pode ser feito de forma mecânica e com fins produtivos, com o qual perde seu objetivo humanizante e coletivista. Em um outro aspecto, também parece que atualmente toma-se outra vez a consciência da importância da amamentação materna, sem associar esta ação a uma visão retrógrada da mulher. De fato houve a pouco tempo um congresso de médicos sobre amamentação natural, que houve um grande êxito, quando há pouc! os anos, os pediátras se opunham àqueles que falavam de dar ao peito aos filhos por "razões médicas" -. Mas se esta ação realiza-se de forma mecânica, seguindo uma moda e sem assumir ou ter consciência emocional da função que cumpre dentro do processo de equilíbrio e harmonia do sistema familiar seus resultados serão parciais e inclusive quantitativamente questionáveis. Porque no fundo, não se trata de dar o peito, se trata de como se dá, do tipo que se estabelece entre a relação mãe-bebê, tendo em conta a particularidade de cada sistema familiar (condições econômicas, sociais, posição afetiva do pai…). Porque, como tantos teóricos do novo paradigma insistem, nós, somos animais relacionais, com o qual a linguagem esá mediando a situação. Uma linguagem que está vinculada a uma dinâmica emocional, que por sua vez, constrói uma forma de nos comunicar e nos dá um padrão de relação.
 
Portanto, a dinâmica relacional, é a que vai marcar a autopoiése da estrutura, ou melhor, o fundamental será como nos relacionamos, não o que fazemos. Isso, nos dará a chave do desenvolvimento desta estrutura individual.
 
Tudo isso me faz lembrar a famosa frase "trepar, que o mundo se acaba" que estava na moda faz alguns anos em alguns ambientes culturais. Era revolucionário "trepar", mas não por isso se desenvolvia mais o afeto ou desapareciam as dinfunções sexuais nem a neurose. Era uma interpretação cultural parcial de algo que tinha sua origem precisamente em um de nossos referentes principias, W. Reich, que falava da importância da vida sexual e afetiva das pessoas para melhorar a qualidade de vida desde uma concepção global. Porque a relação humana baseia-se na transmissão de afetos, emoções e sentimentos, e por tanto, da sexualidade.
 

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*Orgonomia e ecologia global

 
Conhecendo estes fatos, a posse da nossa responsabilidade consistiria em tomar posições frente a situações que reconhecemos como causas destas constrições e desta perda de identidade individual e coletiva.
 
Situações, por exemplo, como as que se produzem pela influência da igreja católica ao manifestar que é pecado o uso dos anticonceptivos, introjentando-os como algo proibido, já condicionando nefastamente a possibilidade de escolher livremente o momento de ter um filho(a). Isso é intolerável, como o fato de que em nome de Maomé ou de quem seja, chega-se a castrar uma mulher, privando-a de seu clítoris, ou a lapidem por querer viver livremente sua sexualidade. Os governos, as diplomacias, o aceitam e toleram para evitar conflitos bélicos supostamente, mas estes se produzem igualmente por fatores e interesses econômico-políticos, como o atual conflito com Iraque. Isso é muito mais despreciável porque vai contra os aspectos básicos que configuram a identidade do ser humano. E todos temos algo a fazer, porque faz parte do cotidiano. Coisas simila! res acontecem em nossas casas. Este é o significado real que encontro ao conceito de consciência ecológica.
 
Por isso, admiro a frase de Epicuro: "O conhecimento não só nos deixa feliz, mas também nos liberta."Porque no momento em que sou livre já conheço algo e assim posso me responsabilizar.
 
Conhecemos coisas que permitiriam modificar os sistemas humanos. Desde a concepção, a vida intra-uterina, os partos, a amamentação, a autorregulação. Desde a realidade de uns sistemas aos quais se criam relação, comunicação, aos quais se reconheça a validade do discurso da criança, possibilita que conheçam o nosso. Estando presentes e em constante interrelação e comunicação emocional e verbal.
 
São estas mudanças cotidianas que podem facilitar mudanças em nossos sistemas sociais. Porque a partir do momento em que se generalizem e se convertam em costumes também mudam-se as leis e assim, a cultura. Isso sabemos por nossa própria experiência. Na Espanha, só depois de viver cotidianamente dinâmicas sexuais transgressoras para o sistema, implantaram-se leis que facilitam o uso dos anticonceptivos, o divórcio ou o aborto, o que reflete uma dinâmica afetiva mais livre. Ou seja, primeiro culturizamos uma ação e depois, aparecem as leis, por isso a responsabilidade seria nossa em grande medida. Assumamos uma consciência ecológica e desenvolvamos uma cultura ecológica. Coloquemos meios para que possamos realmente sentir as coisas que cometamos a conhecer e a intuir que poderiam ajudar-nos a recuperar nosso equilíbrio como espécie.
 
Já existe neste momento muitas pessoas e coletivos em que estamos trabalhando para conseguir estas mudanças culturais, este novo desenvolvimento dos ecossistemas humanos. Muitas vezes os meios de comunicação não facilitam nada sua difusão, porque parecem banais ou pouco significativos desde o ponto de vista do marketing. Mas estamos ajudando a mudar este estado de coisas. Constatamos que depois de vinte ou trinta anos em reivindicar algo e desenvolver certas condutas transgressoras cotidianamente, nos damos conta de que há pessoas que começam a viver assim, desta maneira, como algo normal e habitual, como um costume.
 
Por exemplo, há coletivos educativos como a escola "Els Donyets", que trabalha dentro de uma prática escolar alternativa, em Valência, Coletivos feministas, ecológicos, libertários, de homens e mulheres que trabalham para mudar o cotidiano. Todos podemos participar de forma madura, solidária e ativa neste processo de mudança.
 
Criar em coletivo, trabalhar em equipe, com formatos federativos, algo que os libertários já nos ensinaram na Espanha.
 
Desenvolver redes de grupos que trabalhem pela transformação dos sistemas humanos ao mesmo tempo que realizamos em nossa vida cotidiana. Desta forma iremos configurando o novo paradigma apoiando-nos em suas sólidas bases científicas que encontramos na teoria dos "campos morfogenéticos" de R. Sheldrake, o conceito de "Boopstrap" de G. Chef, "a tektologia" de A. Bognadow precursora de "a teoria dos sistemas" de L. Bertalanfy, "as estruturas dissipativas" de I. Prigogine, "a autopoiése" de Maturana, o conceito "Gaia" de J. Lovelock, o papel dos "neuropéptidos" descoberto por C. Pert, "a homeopatia" de Hanneman, a "teoria da libido" de Freud e a "orgonomia" de W. Reich. A qual mostra a evidência empírica da energia vital denominada Orgônio, seguindo os passos do vitalista Bergson desenvolvendo uma visão global e circular onde o social, o individ! ual e o cósmico estão em constante interrelação opondo-se em alguns aspectos à teoria dos sistemas e a outros avanços científicos já descritos de uma forma evidente, mas ainda excesivamente intuitiva, porém manifestavam um pleno contato com o Vivo.
 
Neste sentido, F. Capra escrevia em 1999: "Para recuperar nossa plena humanidade devemos reconquistar nossa experiência de conexão com a inteira trama da vida. Esta conexão "religio" em latim é a mesma essência da base espiritual da ecologia humana".
 
W. Reich meio século atrás, já lembrava que: "O desenvolvimento da sociedade deve e tem que ser adaptado aos princípios da autorregulação do Vivo e não como agora, em que o Vivo se ajusta às demandas específicas de pequenas parcelas da raça humana como são os grupos religiosos, as culturas nacionalistas, os governos estatais, etc. O princípio do Vivo inclui à toda humanidade. Um credo religioso determinado, um estado nacional ou uma cultura nacional específica tem muito menos envergadura e importância que o Vivo. Tudo o que em instituições está contra o Vivo não sobrevivirá. Porque o Vivo é o princípio funcional comum da humanidade. O estado, a religião, a cultura em particular seria em certas condições o que separa e cria o ódio, e, deste modo favorece o sufocamento da vida. Não pode haver paz até que o princípio do Vivo não tome as rédeas ! do governo da espécie humana e seja valorizado além das modas, das formas de existência limitadas que nos divide. Sobre e somente esta base se pode distinguir o indivíduo que trabalha internacionalmente pelo Vivo, do político que recolhe meramente votos para o partido democrático de qualquer país; o partidário da democracia social internacional do fascista; o conservador daquele que tem interesse em mobilizar dinâmicas sociais; o partidário hipernacionalisata como Hitler com o trabalhador internacionalista, e assim por diante… Desta maneira, é inevitavel o esclarecimento de quem está a favor e quem está contra ao princípio do Vivo, da Autorregulação".
 
Na atualidade, os coletivos pós-reichianos, como ao que dirijo na "Escuela Española de Terapia Reichiana", procuramos seguir levando adiante estas propostas, tanto no campo clínico – tentando aliviar o sofrimento através da psicoterapia breve caracteroanalítica (P.B.C.) ou recuperando nossas potencialidades através da vegetoterapia caracteroanalítica -, como no campo social e preventivo mantendo este compromisso com a Orgonomia tanto como cidadãos em nossa vida privada como profissionais da saúde e agentes sociais. Procurando que se faça realidade o objetivo de W. Reich refletido nestas linhas "…o foco da nossa atenção deve ser as cranças ao nascerem, para poder guardar e salvar suas potencialidades ainda inatas, e ajudando-lhes a encontrar seu caminho, pois nada pode mudar enquanto a humanidade s! iga desenvolvendo-se encurvada e contraída".
 

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